No ano em que a economia portuguesa sofreu a recessão mais profunda da democracia, a banca abriu os cordões à bolsa e a concessão de crédito à habitação disparou. Este não é um fenómeno inédito, mas quase – e nunca visto com tamanha disparidade na evolução de um e outro indicador. Vários fatores, que não se verificavam nas últimas crises, explicam este comportamento, com as taxas de juro em níveis historicamente baixos e a dinâmica do mercado imobiliário, que resistiu à pandemia, no topo da lista.


Em 2020, segundo os dados do Banco de Portugal (BdP), a banca concedeu 11.389 milhões de euros em crédito à habitação, uma subida de 7,25% face a 2019 e o valor mais elevado desde 2008. A carteira total de crédito à habitação também aumentou, fixando-se nos 95.041 milhões de euros no final de 2020, um aumento anual de 2,4% e o montante mais elevado desde 2016.


Isto num ano em que o PIB caiu 7,6%, uma queda sem precedentes na atual série do Instituto Nacional de Estatística (INE). Recuando até 2003, último ano para o qual existem dados relativos à nova concessão de crédito à habitação, o PIB português caiu por cinco vezes: 2003, 2009, 2011, 2012 e 2013. Nestes cinco anos, só em 2013, quando a economia caiu 0,9%, é que as novas operações de crédito à habitação tiveram uma evolução positiva, de 5,89%. Nos restantes anos de contração económica, o financiamento para a compra de casa sofreu sempre quebras a dois dígitos, que chegaram a ultrapassar 60% em 2012.


Para a Caixa Geral de Depósitos (CGD), a alteração deste padrão é explicada pela conjugação de dois aspetos. "As taxas de juro estão em níveis historicamente baixos, com reflexo direto nas prestações devidas ao banco, o que, conjuntamente com uma oferta de imóveis para arrendamento reduzida, torna a opção de compra muito atrativa para a grande generalidade dos portugueses", resume, ao Negócios, fonte oficial do banco público.


Os portugueses pagam mesmo cada vez menos pelo crédito da casa: em 2003, a taxa de juro média do conjunto de créditos à habitação ultrapassava 4%; hoje, está no valor mais baixo de sempre, em 0,8%. E a prestação média, que em 2003 ultrapassava os 260 euros, está agora nos 227 euros.


A isto acresce a incerteza trazida pela pandemia a vários setores, que veio reforçar a atratividade do imobiliário enquanto segmento de rentabilidade elevada. "Num cenário de alguma incerteza, o imobiliário assume-se como uma alternativa mais segura e mais interessante para muitos investidores, nomeadamente para os estrangeiros, para os quais Portugal continua no radar", acrescenta a mesma fonte da CGD.


A contribuir para o crescimento da concessão de crédito à habitação em 2020 esteve, também, a subida dos preços das casas, que voltou a verificar-se apesar do impacto da pandemia.


Entre janeiro e setembro de 2020, venderam-se 122.066 casas em Portugal, uma queda de 7,7% face ao ano anterior. Contudo, a subida do preço médio das casas na ordem de 8%, para 158,8 mil euros, levou a que o volume total de vendas tenha ficado praticamente inalterado em relação a 2019, nos 18,6 mil milhões.


In Jornal de Negócios